sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Indesejável


Há um conto de H. G. Wells, chamado “A terra dos cegos”, que narra o esforço de um homem como visão normal para persuadir uma população cega de que ele possui um sentido do qual ela é destituída; fracassa, e afinal a população decide arrancar-lhe os olhos para curá-lo de sua ilusão.

Proposta:

Discuta a idéia central do conto de Wells, comparando-a com a do ditado popular: “Em terra de cego quem tem um olho é rei”. Em sua opinião essas idéias são antagônicas ou você vê um modo de conciliá-las?

Indesejável

Nem sempre o que é motivo de orgulho e idolatria também não pode ser considerado incômodo e repulsivo. Não há metáforas mais perfeitas sobre a reação dos medíocres quanto à ascensão daqueles que fogem da normalidade do que a do dito popular “Em terra de cego quem tem um olho é rei” e a do conto “A terra dos cegos” de H. G. Wells. Reações aparentemente antagônicas, mas que se conciliam perfeitamente no pensamento medíocre do ser humano: primeiro a aceitação, depois a exclusão.

Presencie este pequeno ensaio. Imagine um adolescente dedicado nos estudos, oriundo de família pobre e ignorante e que, depois de grande esforço e engajamento das raríssimas oportunidades que teve, consegue ir além das expectativas de sua família e assumir os riscos da discriminação que os esclarecidos se submetem. Poucas são as famílias, verdadeiras famílias, que não se orgulhariam em polvorosa alegria com a ascensão de seu filho pródigo. Seu nome seria motivo de celebrações, rodaria as bocas das tias que orgulhosamente profeririam elogios de seu sobrinho estudioso, que talvez nem seja tão estudioso, mas que destoou da normalidade de seu meio, de seu âmbito familiar. Enfim, tornou-se o “rei” da sua “terra dos cegos”.

Infelizmente, como já dito antes, assumir a condição de esclarecido o torna discriminado, diferente. Diferença que logo se torna um incômodo. Um repulsa que aos poucos escurece o coração dos medíocres que vêem, nos bens sucedidos, uma lembrança da sua própria condição de eterna ignorância. E a família, que antes ostentava a medalha de orgulho nº 1, inicia seu gradual processo de segregação quanto ao seu filho, antes pródigo, agora indesejável. E os assuntos para as conversas, aos poucos, evanescem. E os convites para os almoços de fim de semana deixam de ser entregues. E no final, como no grosseiro desfecho do conto de H. G. Wells, a virtude geradora de toda discussão tem um triste final: a total exclusão daquele que era esclarecido.

Ou seja, não há o confronto de idéias antagônicas entre a presente no dito popular e a do conto de Wells. Ambas se conciliam no fato de que as reações da medíocre maioria da terra dos cegos figuram uma após a outra, logo, se completam.

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